sábado, 20 de julho de 2013

Um mar de sentimentos e o mar que são os sentimentos



Outro dia, amiga de longa data, falando sobre os sentimentos, afirmou que eles, por vezes, se apresentam como o mar, em sucessivas ondas, ora mais fortes, ora mais fracas, mais intensas, menos... enganadoramente tranquilas águas que, de repente, estouram em cima de nós; por vezes, o mar é duplamente traiçoeiro, pois além de vir com uma força imensa, nos empurrando para fora dele, também pode, por vezes, desejar nos engolfar, levar-nos para dentro, para o fundo. Os sentimentos podem nos submergir e nos afogar.Entretanto, a nossa experiência diz que, no mais das vezes, o mar nos desequilibra, nos fazer cair, mas não nos leva consigo.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sinta o peso.



Suporte minha presença.
Ouça meus silêncios
nessa noite densa.

Encare com os olhos
bem fechados
nossos achados

Anule teus desejos.
Afogue tua dor
junto com teus arquejos.

Assuma o que sabemos
há tanto tempo,
que até mesmo esquecemos.

Deixe-me aqui só
nessa casa torta,
só feche a porta.








quarta-feira, 5 de junho de 2013

Como fazer o céu chorar....



A garotinha olhava para o céu: Luminoso e amplo. Seus olhos já pequenos convertiam-se em apenas dois pequenos riscos, encimados por pestanas negras. Olhava o céu na esperança que chovesse. Não choveria. Nem sequer nuvens havia naquele céu infinitamente azul.

As cigarras cantavam alto, o calor oprimia. O sol brilhava e, mais, tremeluzia. Ao redor, apenas um chão acarpetado de amarelo, amarelo-queimado.

Ela olhava para o céu. A mãe gritou, perguntando porque ainda não tinha ido ver se havia ovos. A menina baixou os olhos, ainda marejados de lágrimas forçadas pela luz. Gritou de volta, que já ia. Olhou mais uma vez para o céu azul... E se ela furasse o céu? Ora, a chuva vinha do céu e, então, a água devia estar presa naquela barreira infinitamente azul, tão azul quanto os olhos do avô.

A menina pegou o cesto e, enquanto percorria o caminho até o galinheiro, ensimesmada, espiava o céu, seu antagonista. Afinal de contas, pensava ela, a água vinha do céu e lá devia estar presa por aquela barreira azul. Se furasse o céu, a água verteria e seus pais poderiam plantar a terra e os animais voltariam a beber do açude. O rio subiria – estava tão raso que ninguém mais se preocupava em impedir que as crianças para lá corressem, no meio da tarde, para encontrar algum alívio do calor sufocante.

Meus olhos...



Azuis, verdes, azuis, verdes... 
Azul-esverdeados. Pronto. 
Nem verdes, nem azuis. Verzuis, talvez?

Rapidíssima

Pularei o muro.
Não hoje, nem amanhã. Mas é necessário.
Estou em cima dele e, pela visão, já me decidi.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Curtíssima

- Meu bom Deus, para quê servem as cólicas?
- São uma amostra grátis do que te espera na 
hora do parto, Eva...

domingo, 26 de maio de 2013

Transmutar.

E passa o que deve passar...
Só não passa aquilo que não deixamos passar, sem permissão para nos transpassar e, assim, nos atravessar e se ir... Ficando, então, não apenas no passado, mas também já distante do coração.
“O que os olhos não veem o coração não sente”, já diz o batido ditado. Entretanto, nós temos muitas maneiras de tornar a ver aquilo que não deveríamos mais olhar e, para isso, nem precisamos dos olhos – essa janela para a alma...
Há outras maneiras de deixar entrar: um perfume, uma palavra, um gosto. Qualquer dessas coisas traz recordações à mente.

sábado, 25 de maio de 2013

Entretempo

O som irritantemente ritmado das gotas de água, da torneira antiga, que já encheram há muito a vasilha vazia.
Um teto de chumbo, um ventilador azul. Suas pás movem-se lentamente, como num grande esforço para manterem-se ativas. Olhos nas pás, ouvidos na torneira mal fechada. Cães ladram insistentemente no meio da tarde.
Tédio, apatia? Melancolia. Aquela dor no fundo do ser, alojada num recôndito do corpo, sendo perturbada pelo ruído: poc..., poc..., poc...
E as pás girando, embora o clima seja agradável e o céu azul com nuvens brancas que se movem rapidamente.
Coração doido, entristecido. Uma falta de ar seguida de um suspiro longo e profundo.

O tempo ido.

Sonhos tecidos.
Nossos amores esquecidos,
em tempos idos;
corações carcomidos.
Rima fácil,
amor inábil.

sábado, 13 de abril de 2013

Uma manhã qualquer, uma cidade qualquer, duas pessoas e um encontro


Uma manhã qualquer, numa capital qualquer desse país, duas pessoas encontram-se. Esse encontro é inédito, porque irá definir não só duas vidas, mas as vidas de outras pessoas que sequer imaginam a existência desses dois. Como várias coisas na vida, nós achamos que jogamos sozinhos, nós achamos que vivemos e agimos sozinhos, porém de verdade, nós só nascemos e morremos sozinhos.
Um café qualquer, numa rua movimentada qualquer dessa capital. Pessoas ocupadas, sonolentas ou que apenas precisam passar o tempo. Menos essas duas pessoas. Elas estão fazendo tudo isso ao mesmo tempo, só que diferente de todos os outros: estão ocupadas uma com a outra, estão passando o tempo uma com a outra, estão entorpecidas pela presença uma da outra. O barulho, as pessoas ocupadas, sonolentas, sugadas pela rotina não existem. O garçom existiu apenas no tempo suficiente empregado em ouvir os pedidos e trazê-los. Logo depois, nem mesmo os cafés – um expresso duplo e um capuccino – pareceram importante: esfriarão, desprezados, esquecidos, mesmo que o cheiro lembre as suas existências e tenha perpassado e inebriado esse encontro.
Olhos nos olhos. Sorrisos discretos, acanhados.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Do que são feitas as lembranças amorosas...



Todos nós temos uma história para contar. Todos nós nos formamos e nos transformamos por meio do que nos acontece, por meio daquilo que vivemos e fazemos.

E, tudo isso, de um modo ou de outro, é levado conosco, para o resto de nossas vidas... Transformado em lembranças, mais ou menos exatas, mais ou menos simplesmente emoções...

Dessas lembranças, as que por vezes se destacam são as lembranças amorosas. De paixões que se concretizaram, outras que foram só momentos esparsos ou ilusões – quem nunca se iludiu, não foi humano, ainda. São recortes de amores que foram ou que nem mesmo aconteceram, nasceram mortos. E, assim, às vezes, tudo o que houve foi um olhar, um gesto e nada mais. Promessas não cumpridas.

Curtíssima

"- Tu estás blefando?!
- Não, eu estou flertando".

Rapidíssima

Pode ser indecente, mas é coerente.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Curtíssima

"- Claro, você poderia chorar.
Apoiar a testa nos braços, deitada e derrotada sobre a mesa.
De qualquer modo, o que provocou o choro continuará lá, não se esqueça, menina".

domingo, 10 de março de 2013

O caminho do meio e o fim do caminho: enamoramento



Eu ando lendo Alberoni. Não digo que concorde com tudo aquilo que diz, tanto sobre o erotismo feminino quanto masculino. Porém, há coisas válidas nesse tipo de leitura, da qual não concordamos integralmente ou, até, discordamos. Por exemplo, sobre o encontro de amantes, ele tem algumas asserções bastante interessantes e capazes de fazer pensar. Lá pelas tantas, ele diz que o (a) amante é um refúgio do mundo. É um momento de isolar-se com o outro, o momento – ou deveria ser – do exercício do puro erotismo. Para lá da entrega, existe o não-existir além daquele lugar de encontro. Nada há mais no mundo do que o outro e aquele momento com o outro.

O autor falava na verdade, do amante enquanto “categoria” social. No entanto, isso não exclui aqueles que se encontram no estado de “amantes”: ou seja, aquele momento de enamoramento de ânsia e prazer de estar junto daquele que amamos ou por quem nos apaixonamos.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Uma nota


Uma imagem e um pensamento.



Existem "relações" - e devo dizer que é exagero nomear o que acontece nesses casos, dessa maneira - que são como um deserto de pedra: é tudo cinza, e duro, e frio. Entremeado, aqui e acolá, há uma pequena planta verde que já estava lá, viva. Mas não podemos plantar nada porque o solo é rochoso, não podemos tirar e nem criar mais vida do que aquela que há em meio a toda essa frieza e no meio desse cinza.
O verde que lá existe é passado, prestes ele também a morrer, sufocado pelo frio e pela ausência de vivacidade que o cinza provoca. Vive-se só de um reviver. Nada mais há para ser vivido, pois a vida, de verdade, não é um revisitar, repisar, repetir. Logo, não há futuro. Só uma esperança artificial baseada naquilo que já foi vivido.
Mas admito que é belo, enquanto nos enganamos dizendo que era possível cultivar esse deserto.

terça-feira, 5 de março de 2013

A pretensão do Sentido existencial


Eu não sei vocês, mas sempre tive medo da expressão “sentido existencial”. Sei lá, sempre me pareceu pesada, grandiosa demais, pretensiosa. Como se as pessoas tivessem a obrigação, o dever, de fazerem grandes coisas, grandes sacrifícios em prol... em prol de que mesmo? Em prol dos outros. Em prol do “amor oceânico”. Não que desacredite totalmente. Só acho que não é para todo mundo, esse negócio de sentido existencial.
Algumas poucas pessoas são capazes de atingir o que imagino, seja o grau adequado de sentido que a expressão esconde. O mais interessante é que não acho que essas poucas pessoas, capazes de atingir o grau de pretensão embutido na expressão, sejam pretensiosas: pelo contrário, elas pensaram apenas em fazerem algo bom, não em atingir uma plenitude de sentido para suas vidas. Sem pretensão de dar sentido às suas vidas, mas às vidas dos outros. Quase sem querer.
Entretanto, as coisas mudam de figura quando pretendemos que essa expressão dirija as nossas vidas. As nossas pequenas e insignificantes vidas. Aí damos mais um sentido do que de fato há em nossas vidas. Superestimamos e, por isso, erramos.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Descobrindo Gabrielle


O que segue são pedaços de uma estória conta uma das possíveis origens de Gabrielle. Ela está por aí, perdida em centenas de pedaços de papéis. Ocultada e descoberta ao longo de vários anos: alguns mais felizes do que outros. Não se trata dela, mas daquele que, em alguns momentos, desperta o melhor e o pior dela.

Um dia, crio coragem e publico o resto, ou a parte à qual pertence essa pequena descrição.



"Se a viagem marítima fora agradável não se podia dizer o mesmo da terrestre. Uma forte chuva insistiu em cair durante o começo da viagem, estragando mais ainda as precárias estradas francesas e, por conseguinte, o resto da viagem foi de lama, balanços e atoleiros intermináveis.

Chegaram a Paris num dia ensolarado e úmido. Estavam cansadas e amarrotadas".

***

"Ana, num movimento rápido e seco, pegou o precioso papel que lhe era alcançado. Respirou profundamente, enquanto o aproximava de seu nariz, para sentir o perfume que, a despeito da distância e do tempo, resistia fracamente. Olhou, ainda, o sinete que selava o conteúdo. Somente depois de todos estes cuidados é que tomou coragem para abri-lo.

Lendo-a, sentou-se em uma cadeira de espaldar alto, defronte a janela. Suspirou profundamente, como para demarcar uma passagem, que lhe soara querida. Quando terminou de lê-la, ergueu lentamente a cabeça, seu olhar não estava fixo em nada naquele quarto. Suspirou novamente, desta vez de forma dolorida. Gabrielle achou que era o momento oportuno para falar-lhe das instruções, que recebera de Londres".

***

"... dizendo estas palavras, levou a mão até sua pêra e, enquanto a alisava, sua língua pontiaguda e grossa passou lentamente entre seus lábios polpudos e vermelhos. De fato, sua expressão nestes momentos de reflexões era um tanto atraente; os olhos usualmente hiperativos, como para captar qualquer ação, que estivesse fora de seu conhecimento, ficavam calmos dando a impressão de uma mansidão acolhedora, a boca perdia aquela tensão tão constante, tornando-se macia e úmida. Os dedos, cofiando a pêra logo abaixo de seus lábios, tornavam-se suaves, entregues que estavam a uma carícia inconsciente. Entretanto, logo sua expressão readquiria o caráter anterior: frio, cínico e atento. Como um gato com fome, a espera de sua presa".

domingo, 10 de fevereiro de 2013

A calma da crise: uma ironia.



Não sei se vocês já ouviram falar sobre eventos que são antecedidos pela calma, pela paz. É disso que quero falar. A semana fora tranquila, nem demais, nem de menos. Mas aquela tranquilidade de águas escuras e profundas. Tivemos vento, quase todos os dias, menos hoje.

Mas vocês sabem, tem uma calmaria antes da tempestade como, também, dizem, há uma melhora antes da morte. Sobre a calmaria antes da tempestade, isso é bastante fácil de ser observado, embora nem sempre seja assim. Quanto à melhora antes da morte, eu vi isso acontecer. Claro, isso não faz uma verdade universal. Apenas contribui para o meu raciocínio. Ou melhor, explicita, imaginativamente, o que vai nessa mente. Ou seja, estou esperando a tempestade, ou a morte, tanto faz.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Sol de verão: a clareza insuportável de certas verdades...



Sol de verão. Brilha forte, ofuscando os olhos claros de quem se atreve a mirar o mundo.

No meio de tanta luz, às vezes se torna difícil ver claramente. Até claridade demais, cega. Talvez seja isso que ocorra conosco em algumas ocasiões: a clareza é tão grande, tão certa, que ofusca, tonteia, confundi.

Principalmente se for contrária a tudo que se acreditou durante anos. Então, tu sais e é tomado pela claridade. Não sabe para onde olhar, no que fixar o olhar. A claridade faz com fechemos os olhos, numa busca, agora vã, pelo conforto daquela zona mais escura, menos clara. Aos poucos, nos acostumamos, mas é tal o brilho daquela nova realidade, que seus olhos embaçam e tu titubeias sobre o que vês realmente. Tu te perdes e, mesmo no meio de tanta luz, não sabes que caminho tomar. Teus olhos miram o chão e são incapazes de mirar o céu, a luz clara e límpida daquele dia de verão.

Talvez por isso goste do outono. A luz amarela, esmaecida, nos dá conforto e aquela leve certeza da verdade. Mas ela não te cega, se olhares para o céu, fonte de toda a luz. Nas verdades de verão, o esforço é tão grande porque ao olhares para o céu, perdes a força de raciocínio e só há aquela luz, aquela certeza. Tu não és capaz de voltar a olhar para o mundo imediatamente e seguir os caminhos menos iluminados, porque é muito grande a diferença entre o céu e a terra.

E, no entanto, o verão nos atinge. Seguidamente, ciclicamente. Ele nos lembra que nem só na confortável luz se vive. Ele nos lembra que não podemos dormir sob o sol do inverno, e nem nos acostumarmos com a luz do outono e, muito menos, nos distrairmos com a luz da primavera.

E o céu de verão nos encara, esperando que sejamos capazes de encará-lo de frente. Mesmo que cegue.