O que segue são pedaços de uma estória conta uma
das possíveis origens de Gabrielle. Ela está por aí, perdida em centenas de
pedaços de papéis. Ocultada e descoberta ao longo de vários anos: alguns mais
felizes do que outros. Não se trata dela, mas daquele que, em alguns momentos,
desperta o melhor e o pior dela.
Um dia, crio coragem e publico o resto, ou a
parte à qual pertence essa pequena descrição.
"Se a viagem marítima fora agradável não se
podia dizer o mesmo da terrestre. Uma forte chuva insistiu em cair durante o
começo da viagem, estragando mais ainda as precárias estradas francesas e, por
conseguinte, o resto da viagem foi de lama, balanços e atoleiros intermináveis.
Chegaram a Paris num dia ensolarado e úmido.
Estavam cansadas e amarrotadas".
***
"Ana, num movimento rápido e seco, pegou o
precioso papel que lhe era alcançado. Respirou profundamente, enquanto o
aproximava de seu nariz, para sentir o perfume que, a despeito da distância e
do tempo, resistia fracamente. Olhou, ainda, o sinete que selava o conteúdo.
Somente depois de todos estes cuidados é que tomou coragem para abri-lo.
Lendo-a, sentou-se em uma cadeira de espaldar
alto, defronte a janela. Suspirou profundamente, como para demarcar uma
passagem, que lhe soara querida. Quando terminou de lê-la, ergueu lentamente a
cabeça, seu olhar não estava fixo em nada naquele quarto. Suspirou novamente,
desta vez de forma dolorida. Gabrielle achou que era o momento oportuno para
falar-lhe das instruções, que recebera de Londres".
***
"... dizendo estas palavras, levou a mão até
sua pêra e, enquanto a alisava, sua língua pontiaguda e grossa passou
lentamente entre seus lábios polpudos e vermelhos. De fato, sua expressão
nestes momentos de reflexões era um tanto atraente; os olhos usualmente
hiperativos, como para captar qualquer ação, que estivesse fora de seu
conhecimento, ficavam calmos dando a impressão de uma mansidão acolhedora, a
boca perdia aquela tensão tão constante, tornando-se macia e úmida. Os dedos,
cofiando a pêra logo abaixo de seus lábios, tornavam-se suaves, entregues que
estavam a uma carícia inconsciente. Entretanto, logo sua expressão readquiria o
caráter anterior: frio, cínico e atento. Como um gato com fome, a espera de sua
presa".