quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Descobrindo Gabrielle


O que segue são pedaços de uma estória conta uma das possíveis origens de Gabrielle. Ela está por aí, perdida em centenas de pedaços de papéis. Ocultada e descoberta ao longo de vários anos: alguns mais felizes do que outros. Não se trata dela, mas daquele que, em alguns momentos, desperta o melhor e o pior dela.

Um dia, crio coragem e publico o resto, ou a parte à qual pertence essa pequena descrição.



"Se a viagem marítima fora agradável não se podia dizer o mesmo da terrestre. Uma forte chuva insistiu em cair durante o começo da viagem, estragando mais ainda as precárias estradas francesas e, por conseguinte, o resto da viagem foi de lama, balanços e atoleiros intermináveis.

Chegaram a Paris num dia ensolarado e úmido. Estavam cansadas e amarrotadas".

***

"Ana, num movimento rápido e seco, pegou o precioso papel que lhe era alcançado. Respirou profundamente, enquanto o aproximava de seu nariz, para sentir o perfume que, a despeito da distância e do tempo, resistia fracamente. Olhou, ainda, o sinete que selava o conteúdo. Somente depois de todos estes cuidados é que tomou coragem para abri-lo.

Lendo-a, sentou-se em uma cadeira de espaldar alto, defronte a janela. Suspirou profundamente, como para demarcar uma passagem, que lhe soara querida. Quando terminou de lê-la, ergueu lentamente a cabeça, seu olhar não estava fixo em nada naquele quarto. Suspirou novamente, desta vez de forma dolorida. Gabrielle achou que era o momento oportuno para falar-lhe das instruções, que recebera de Londres".

***

"... dizendo estas palavras, levou a mão até sua pêra e, enquanto a alisava, sua língua pontiaguda e grossa passou lentamente entre seus lábios polpudos e vermelhos. De fato, sua expressão nestes momentos de reflexões era um tanto atraente; os olhos usualmente hiperativos, como para captar qualquer ação, que estivesse fora de seu conhecimento, ficavam calmos dando a impressão de uma mansidão acolhedora, a boca perdia aquela tensão tão constante, tornando-se macia e úmida. Os dedos, cofiando a pêra logo abaixo de seus lábios, tornavam-se suaves, entregues que estavam a uma carícia inconsciente. Entretanto, logo sua expressão readquiria o caráter anterior: frio, cínico e atento. Como um gato com fome, a espera de sua presa".

domingo, 10 de fevereiro de 2013

A calma da crise: uma ironia.



Não sei se vocês já ouviram falar sobre eventos que são antecedidos pela calma, pela paz. É disso que quero falar. A semana fora tranquila, nem demais, nem de menos. Mas aquela tranquilidade de águas escuras e profundas. Tivemos vento, quase todos os dias, menos hoje.

Mas vocês sabem, tem uma calmaria antes da tempestade como, também, dizem, há uma melhora antes da morte. Sobre a calmaria antes da tempestade, isso é bastante fácil de ser observado, embora nem sempre seja assim. Quanto à melhora antes da morte, eu vi isso acontecer. Claro, isso não faz uma verdade universal. Apenas contribui para o meu raciocínio. Ou melhor, explicita, imaginativamente, o que vai nessa mente. Ou seja, estou esperando a tempestade, ou a morte, tanto faz.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Sol de verão: a clareza insuportável de certas verdades...



Sol de verão. Brilha forte, ofuscando os olhos claros de quem se atreve a mirar o mundo.

No meio de tanta luz, às vezes se torna difícil ver claramente. Até claridade demais, cega. Talvez seja isso que ocorra conosco em algumas ocasiões: a clareza é tão grande, tão certa, que ofusca, tonteia, confundi.

Principalmente se for contrária a tudo que se acreditou durante anos. Então, tu sais e é tomado pela claridade. Não sabe para onde olhar, no que fixar o olhar. A claridade faz com fechemos os olhos, numa busca, agora vã, pelo conforto daquela zona mais escura, menos clara. Aos poucos, nos acostumamos, mas é tal o brilho daquela nova realidade, que seus olhos embaçam e tu titubeias sobre o que vês realmente. Tu te perdes e, mesmo no meio de tanta luz, não sabes que caminho tomar. Teus olhos miram o chão e são incapazes de mirar o céu, a luz clara e límpida daquele dia de verão.

Talvez por isso goste do outono. A luz amarela, esmaecida, nos dá conforto e aquela leve certeza da verdade. Mas ela não te cega, se olhares para o céu, fonte de toda a luz. Nas verdades de verão, o esforço é tão grande porque ao olhares para o céu, perdes a força de raciocínio e só há aquela luz, aquela certeza. Tu não és capaz de voltar a olhar para o mundo imediatamente e seguir os caminhos menos iluminados, porque é muito grande a diferença entre o céu e a terra.

E, no entanto, o verão nos atinge. Seguidamente, ciclicamente. Ele nos lembra que nem só na confortável luz se vive. Ele nos lembra que não podemos dormir sob o sol do inverno, e nem nos acostumarmos com a luz do outono e, muito menos, nos distrairmos com a luz da primavera.

E o céu de verão nos encara, esperando que sejamos capazes de encará-lo de frente. Mesmo que cegue.