quarta-feira, 5 de junho de 2013

Como fazer o céu chorar....



A garotinha olhava para o céu: Luminoso e amplo. Seus olhos já pequenos convertiam-se em apenas dois pequenos riscos, encimados por pestanas negras. Olhava o céu na esperança que chovesse. Não choveria. Nem sequer nuvens havia naquele céu infinitamente azul.

As cigarras cantavam alto, o calor oprimia. O sol brilhava e, mais, tremeluzia. Ao redor, apenas um chão acarpetado de amarelo, amarelo-queimado.

Ela olhava para o céu. A mãe gritou, perguntando porque ainda não tinha ido ver se havia ovos. A menina baixou os olhos, ainda marejados de lágrimas forçadas pela luz. Gritou de volta, que já ia. Olhou mais uma vez para o céu azul... E se ela furasse o céu? Ora, a chuva vinha do céu e, então, a água devia estar presa naquela barreira infinitamente azul, tão azul quanto os olhos do avô.

A menina pegou o cesto e, enquanto percorria o caminho até o galinheiro, ensimesmada, espiava o céu, seu antagonista. Afinal de contas, pensava ela, a água vinha do céu e lá devia estar presa por aquela barreira azul. Se furasse o céu, a água verteria e seus pais poderiam plantar a terra e os animais voltariam a beber do açude. O rio subiria – estava tão raso que ninguém mais se preocupava em impedir que as crianças para lá corressem, no meio da tarde, para encontrar algum alívio do calor sufocante.


Ela recolheu três ovos e, uma das galinhas mostrou sua indignação pelo roubo de sua propriedade bicando-a. Em resposta, a menina deu um safanão na galinha e tomou-lhe o bem precioso. Talvez a mãe pudesse fritar um desses ovos ou, quem sabe, podia fazer um pão que não fosse o odiado pão de milho. Queria pão de trigo, branco, macio. Ela suspirou e lembrou que pão de trigo só pelo Natal e, este fora fazia pouco tempo. Ganhara algumas balas de presente do padrinho. As balas não duraram sequer até o dia de Reis, assim como o pão de trigo.

Voltou para o abrigo e meia luz da casa. Lá era menos quente. Guardou os ovos e espiou o céu pela porta aberta da cozinha. Sim, ela continuou a pensar, furaria o céu e a chuva viria. Uma taquara comprida deveria ser suficiente. Isso. Mas, ainda assim, não achava que fosse alta o suficiente: como espetar o céu e fazê-lo chorar?

Enquanto pensava viu as cabritas, sempre tão sapecas, empoleirarem-se numa árvore caída. De lá, elas atingiam o teto do galpão num salto seco e gracioso. E corriam pelo teto. Os cães ladraram, mas nada podiam fazer lá de baixo. Era isso! E o pensamento da menina deu um salto. Ela subiria no telhado do galpão. Lá de cima, certamente, com a longa taquara de fazer descer as pinhas seria capaz de atingir o céu. O pai e a mãe ficariam orgulhosos de ela ter tido uma ideia tão boa.

A menina ainda escondeu a ideia. Certamente não a deixariam subir lá, tão alto e tão perigoso. Mas ela queria furar o céu. Então, nada disse e guardou para si o heroísmo. Depois do almoço eles dormiriam e ela poderia subir no telhado do galpão sem que ninguém dissesse não.

O almoço tardava, a louça não acabava. E, por que os pais, justo hoje, pareciam demorar mais em tomar o chimarrão? Ela caminhava inquieta e a mãe mandou sossegar o facho, debulhando milho. Ela sentou-se com a bacia em cima das pernas finas e cinco espigas. Na terceira, os pais foram deitar. Ela esperou que não houvesse ruído e que o pai ressonasse no seu descanso para só então largar a bacia e correr para o mato onde estava a taquara. Era mais pesada do que pensara, mas a menina arrastou a taquara pelo potreiro, os cães a cercavam, com o rabo balançando de um lado para outro. Ao parar ao lado da árvore, percebeu que não poderia saltar como as cabritas. Precisava de uma ponte. Uma das tábuas, guardadas dentro do galpão, para uma eventual reforma da casa, uma delas, curta que fosse, serviria. Largou a taquara e logo achou uma que lhe servia. Arrastou-a pelo tronco tombado da árvore e conseguiu equilibrar uma ponta num galho da árvore, outra ponta na beirada do telhado. Desceu pelo tronco da figueira tombada e voltou, arrastando a taquara pela ponta. Atravessou a ponte improvisada que oscilou: no fim, a taquara lhe deu um ponto de apoio e ela atravessou a ponte. Em cima do telhado do galpão, pôde ver a estrada que se estendia por detrás dos morros, a casa da vizinha fofoqueira, três quilômetros acima, a casa do padrinho, para lá de cinco morros.

Começou a erguer a taquara, e a vara, ereta e firme, vacilava nas pequenas mãos da menina. Avançava mas nunca parecia acertar o céu. Certamente, vendo aquele espinho, o céu recuava a cada avanço da menina. Dois terços da vara já deviam estar enfiados no céu, mas a água não descia. Num último esforço, já arfando, suando e de bochechas vermelhas, a menina deu um último impulso e conseguiu, por dois ou três segundos, erguer ereta e muito alta, a taquara. O céu não deu sinais de que fora atingido. A menina não suportou o peso e a taquara escapou de suas mãos, agora escorregadias do suor. Rolou e caiu, num ruído seco e abafado, sobre a grama. E as únicas gotas de água que aquele telhado viu, naquele dia e ainda em muitos outros, foram os da lágrimas da menina.

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