A
garotinha olhava para o céu: Luminoso e amplo. Seus olhos já pequenos
convertiam-se em apenas dois pequenos riscos, encimados por pestanas negras.
Olhava o céu na esperança que chovesse. Não choveria. Nem sequer nuvens havia naquele
céu infinitamente azul.
As
cigarras cantavam alto, o calor oprimia. O sol brilhava e, mais, tremeluzia. Ao
redor, apenas um chão acarpetado de amarelo, amarelo-queimado.
Ela
olhava para o céu. A mãe gritou, perguntando porque ainda não tinha ido ver se
havia ovos. A menina baixou os olhos, ainda marejados de lágrimas forçadas pela
luz. Gritou de volta, que já ia. Olhou mais uma vez para o céu azul... E se ela
furasse o céu? Ora, a chuva vinha do céu e, então, a água devia estar presa
naquela barreira infinitamente azul, tão azul quanto os olhos do avô.
A
menina pegou o cesto e, enquanto percorria o caminho até o galinheiro,
ensimesmada, espiava o céu, seu antagonista. Afinal de contas, pensava ela, a
água vinha do céu e lá devia estar presa por aquela barreira azul. Se furasse o
céu, a água verteria e seus pais poderiam plantar a terra e os animais
voltariam a beber do açude. O rio subiria – estava tão raso que ninguém mais se
preocupava em impedir que as crianças para lá corressem, no meio da tarde, para
encontrar algum alívio do calor sufocante.
Ela
recolheu três ovos e, uma das galinhas mostrou sua indignação pelo roubo de sua
propriedade bicando-a. Em resposta, a menina deu um safanão na galinha e
tomou-lhe o bem precioso. Talvez a mãe pudesse fritar um desses ovos ou, quem
sabe, podia fazer um pão que não fosse o odiado pão de milho. Queria pão de
trigo, branco, macio. Ela suspirou e lembrou que pão de trigo só pelo Natal e,
este fora fazia pouco tempo. Ganhara algumas balas de presente do padrinho. As
balas não duraram sequer até o dia de Reis, assim como o pão de trigo.
Voltou
para o abrigo e meia luz da casa. Lá era menos quente. Guardou os ovos e espiou
o céu pela porta aberta da cozinha. Sim, ela continuou a pensar, furaria o céu
e a chuva viria. Uma taquara comprida deveria ser suficiente. Isso. Mas, ainda
assim, não achava que fosse alta o suficiente: como espetar o céu e fazê-lo
chorar?
Enquanto
pensava viu as cabritas, sempre tão sapecas, empoleirarem-se numa árvore caída.
De lá, elas atingiam o teto do galpão num salto seco e gracioso. E corriam pelo
teto. Os cães ladraram, mas nada podiam fazer lá de baixo. Era isso! E o
pensamento da menina deu um salto. Ela subiria no telhado do galpão. Lá de
cima, certamente, com a longa taquara de fazer descer as pinhas seria capaz de
atingir o céu. O pai e a mãe ficariam orgulhosos de ela ter tido uma ideia tão
boa.
A
menina ainda escondeu a ideia. Certamente não a deixariam subir lá, tão alto e
tão perigoso. Mas ela queria furar o céu. Então, nada disse e guardou para si o
heroísmo. Depois do almoço eles dormiriam e ela poderia subir no telhado do
galpão sem que ninguém dissesse não.
O
almoço tardava, a louça não acabava. E, por que os pais, justo hoje, pareciam
demorar mais em tomar o chimarrão? Ela caminhava inquieta e a mãe mandou
sossegar o facho, debulhando milho. Ela sentou-se com a bacia em cima das
pernas finas e cinco espigas. Na terceira, os pais foram deitar. Ela esperou
que não houvesse ruído e que o pai ressonasse no seu descanso para só então
largar a bacia e correr para o mato onde estava a taquara. Era mais pesada do
que pensara, mas a menina arrastou a taquara pelo potreiro, os cães a cercavam,
com o rabo balançando de um lado para outro. Ao parar ao lado da árvore,
percebeu que não poderia saltar como as cabritas. Precisava de uma ponte. Uma
das tábuas, guardadas dentro do galpão, para uma eventual reforma da casa, uma
delas, curta que fosse, serviria. Largou a taquara e logo achou uma que lhe
servia. Arrastou-a pelo tronco tombado da árvore e conseguiu equilibrar uma ponta
num galho da árvore, outra ponta na beirada do telhado. Desceu pelo tronco da
figueira tombada e voltou, arrastando a taquara pela ponta. Atravessou a ponte
improvisada que oscilou: no fim, a taquara lhe deu um ponto de apoio e ela
atravessou a ponte. Em cima do telhado do galpão, pôde ver a estrada que se
estendia por detrás dos morros, a casa da vizinha fofoqueira, três quilômetros
acima, a casa do padrinho, para lá de cinco morros.
Começou
a erguer a taquara, e a vara, ereta e firme, vacilava nas pequenas mãos da
menina. Avançava mas nunca parecia acertar o céu. Certamente, vendo aquele
espinho, o céu recuava a cada avanço da menina. Dois terços da vara já deviam
estar enfiados no céu, mas a água não descia. Num último esforço, já arfando,
suando e de bochechas vermelhas, a menina deu um último impulso e conseguiu,
por dois ou três segundos, erguer ereta e muito alta, a taquara. O céu não deu
sinais de que fora atingido. A menina não suportou o peso e a taquara escapou de
suas mãos, agora escorregadias do suor. Rolou e caiu, num ruído seco e abafado,
sobre a grama. E as únicas gotas de água que aquele telhado viu, naquele dia e
ainda em muitos outros, foram os da lágrimas da menina.
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