terça-feira, 18 de novembro de 2014

O ultraje da natureza



Se é uma coisa que me frustra é quando o corpo, graças ao seu funcionamento automático e livre, limita minhas atividades intelectuais.

É o cúmulo que concentre meu dia em direção ao meu âmago, que me encolha ao redor de um único órgão. Ainda mais levando em consideração que esse processo "normal" faça com que eu esteja tão exausta sem ter feito nenhum esforço físico pra isso acontecer.

É uma acinte a minha racionalidade que eu me enrole em posição fetal, que adormeça enquanto leio, a ponto de deixar o livro cair em cima de meu rosto. É o fim que as pessoas me olhem e pergunte se estou bem...

O que devo responder: meu útero simplesmente está num dia ruim, quer chamar a atenção e quer me fazer simplesmente virar apenas um ser fisiológico!

E claro que me mediquei. Mas hoje, eu acho que só com anestesia geral. Tomei em menos de quatro horas duas pílulas cujo composto principal é morfina e cá estou, ainda em dores, sangrando como um animal.



Aliás, minha briga não é com o fato de eu ser um animal, eu sei que sou. Minha revolta é com o fato de estar sendo, nesse momento, só um animal ferido, ferido pelo meu próprio sexo, pela minha condição inata e natural de fêmea. Isso é um ultraje a minha natureza universal de ser humano. Hoje, eu só sou fêmea. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Sem mais...

Sim, tu és frio
como azulejo
de banheiro
no inverno.

Sim, ainda rio,
sem teu beijo.
É porque sou inteira,
mesmo não sendo terno.

Não mais...

Foste sem mais.
Sem briga.
Sem carinho.
Sem paixão.
- És um cagão.



terça-feira, 16 de setembro de 2014

Toca-me



Toma-me inteira
em meio a canseira,
de forma apressada.


Feito sol poente,
um expoente
do fim do verão.


Tolhe-me.
Colhe-me.
Cobre-me.







domingo, 26 de janeiro de 2014

Zumbis

Algumas pessoas são como corpos que perambulam pelo mundo, à esmo. Não têm um objetivo definido, nem uma ambição a guiá-las. E, importante dizer, isso sequer pode ser arrolado como um defeito, afinal, as pessoas são livres para viverem suas vidas como quiserem ou... como puderem!
Entretanto, eis o fato inescapável e desagradável, que torna esse modo de viver - que no fundo é um deixar-se levar -, algo nem um pouco inocente e nem mesmo uma opção meramente individual: nós vivemos em sociedade. E, a não ser que essa pessoa que optou pelo "deixa a vida me levar" seja um ermitão, deixar-se levar acaba não sendo só uma opção dela, mas algo com que outras pessoas terão de conviver.
Então, é aí que os problemas começam. 
Esse ser que vaga pela vida esbarrará em outras pessoas. Como humano que é, despertará sentimentos, será abalroado por sentimentos. Entretanto, a sua vontade de viver não é algo direcionado. Irá ir e vir em suas decisões, ao bel-prazer dos seus inconstantes sentimentos. Retornará, assim, como um fantasma, às vidas que ele abandonara. Voltará a propor ideias que antes já não conseguira concretizar.
Essas pessoas peripatéticas - e talvez até patéticas -, ao contrário de inocentemente agirem de modo a deixarem a vida conduzirem-nas, acabam, no fundo, machucando outras pessoas, se estas não perceberem rapidamente que estão diante de um corpo que perambula ao bel-prazer da corrente da vida...
Elas não pararão, não ficarão: como zumbis permanecerão o tanto que sua inconstância permitir, tirarão o que pensam que podem sugar e, como não têm objetivo, não permanecerão, porque só permanece aquele que se coloca objetivos comuns, aquele que deseja construir algo perene, aquele que não deseja apenas usufruir aquilo que lhe aparece, aquele que, além de saber deixar-se levar, também sabe quando é hora de parar e conduzir-se a si mesmo.

sábado, 20 de julho de 2013

Um mar de sentimentos e o mar que são os sentimentos



Outro dia, amiga de longa data, falando sobre os sentimentos, afirmou que eles, por vezes, se apresentam como o mar, em sucessivas ondas, ora mais fortes, ora mais fracas, mais intensas, menos... enganadoramente tranquilas águas que, de repente, estouram em cima de nós; por vezes, o mar é duplamente traiçoeiro, pois além de vir com uma força imensa, nos empurrando para fora dele, também pode, por vezes, desejar nos engolfar, levar-nos para dentro, para o fundo. Os sentimentos podem nos submergir e nos afogar.Entretanto, a nossa experiência diz que, no mais das vezes, o mar nos desequilibra, nos fazer cair, mas não nos leva consigo.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sinta o peso.



Suporte minha presença.
Ouça meus silêncios
nessa noite densa.

Encare com os olhos
bem fechados
nossos achados

Anule teus desejos.
Afogue tua dor
junto com teus arquejos.

Assuma o que sabemos
há tanto tempo,
que até mesmo esquecemos.

Deixe-me aqui só
nessa casa torta,
só feche a porta.








quarta-feira, 5 de junho de 2013

Como fazer o céu chorar....



A garotinha olhava para o céu: Luminoso e amplo. Seus olhos já pequenos convertiam-se em apenas dois pequenos riscos, encimados por pestanas negras. Olhava o céu na esperança que chovesse. Não choveria. Nem sequer nuvens havia naquele céu infinitamente azul.

As cigarras cantavam alto, o calor oprimia. O sol brilhava e, mais, tremeluzia. Ao redor, apenas um chão acarpetado de amarelo, amarelo-queimado.

Ela olhava para o céu. A mãe gritou, perguntando porque ainda não tinha ido ver se havia ovos. A menina baixou os olhos, ainda marejados de lágrimas forçadas pela luz. Gritou de volta, que já ia. Olhou mais uma vez para o céu azul... E se ela furasse o céu? Ora, a chuva vinha do céu e, então, a água devia estar presa naquela barreira infinitamente azul, tão azul quanto os olhos do avô.

A menina pegou o cesto e, enquanto percorria o caminho até o galinheiro, ensimesmada, espiava o céu, seu antagonista. Afinal de contas, pensava ela, a água vinha do céu e lá devia estar presa por aquela barreira azul. Se furasse o céu, a água verteria e seus pais poderiam plantar a terra e os animais voltariam a beber do açude. O rio subiria – estava tão raso que ninguém mais se preocupava em impedir que as crianças para lá corressem, no meio da tarde, para encontrar algum alívio do calor sufocante.