Cruzei com Werther hoje. Não, não
uma pessoa, embora eu saiba que ele era, na medida do possível, pessoa. Falo do
livro.
Na verdade, fui lembrada da
existência dessa história. Não vou chamá-la de trágica, porque meu conceito de
trágico não engloba algo do qual se poderia escapar. Sei, é uma definição
estreita do que seja “trágico”, mas ajuda na compreensão do mundo, e de quando,
de fato, ele nos impõe escolhas das quais não podemos fugir e, desse modo,
torna nossas ações determinadas por uma conjuntura.
Voltando ao Werther, devo dize
que o conheci faz já um bom tempo. Não me lembro mais dos detalhes, mas me
lembro que ele morre. Morre de amor, de paixão. Vítima de seu próprio pathos,
de seu próprio egoísmo e amor-próprio.
Alguém pode me perguntar como, ao
se matar, Werther poderia estar sendo egoísta e ter como carrasco o seu amor-próprio?
Explico.
Werther se apaixona, como é comum
a todos os rapazes de sua idade. A moça talvez o amasse, mas a verdade é que
ela é comprometida e resiste às investidas de Werther. Ele, então, sucumbe a si
mesmo. Ele não se reforça e não se esforça diante do inevitável: sofrer um não.
Um não direto. Um não, aquela palavra de que cedo aprendemos, pelo bem ou pelo
mal o significado.
O romance é epistolar, mas nós
não temos outras cartas além das do próprio Werther. Isso já nos coloca ao lado
do personagem título, pois tudo que temos é o seu ponto de vista (muito embora,
eu deva admitir que, ainda hoje, tenho a sensação de que tinha verdadeira
vontade de esbofeteá-lo durante a leitura – Madama Bovary também me rendeu
acessos de violência, mas hoje tendo a ser mais compreensiva com ela). Nós,
seres humanos, temos tendência a nos compadecer de quem expressa seu sofrimento
e, tendo tão somente o seu sofrimento, nos compadecemos somente de Werther,
daquilo que nos parece seu destino.
E isso porque, quando amamos, de
modo desenfreado – mas eu temo que isso seja paixão e, não, amor – nos tornamos
presa de nós mesmos, de nossos sentimentos. Redemoinhamos. Quando muito,
orbitamos ao redor do ser amado, nossa estrela, nosso astro. Centramo-nos no
que queremos e vemos nisso O objetivo. Único capaz de nos realizar, de dizer
quem nós somos. Numa situação dessas, como podemos ver uma alternativa? Como
não nos vermos vítimas de um “destino” que teima em não se realizar? Eis o
problema.
Assim são com as dores do
coração, aquelas que não passam, a despeito de um longo tempo. São dores que
nós mesmos alimentamos, primeiro, porque o baque foi tão grande que tudo aquilo
se tornou nosso único pensamento, nosso único motivo de reflexão. Depois, vem a
autopiedade. E é tão reconfortante pensar em como somos infelizes e o resto da
humanidade tão feliz! Encontramos desculpas para todos serem mais felizes do
que nós – mesmo que o outro seja um pobre mendigo bêbado! E, nessa cegueira da
inveja, não vemos os motivos pelos quais nós poderíamos ser felizes, mesmo que
não tendo mais aquele amor.
Werther faz isso. Julga-se a
criatura mais triste e azarada desse mundo. Esquece que ele mesmo provocou
dores a um coração alheio – em sua primeira carta encontramos menção a isso. Incapaz
de lidar com a negativa de sua amada, incapaz de ver-se fora do torvelinho do
desprezo amoroso, ele se centra em si mesmo, em sua imensa e infinita dor. Tão infinita
e tão sem solução que, nesse mundo, para ele, não existe remédio. Aliás, nesse
mundo haveria um remédio: deixar esse mundo.
Escapar fisicamente da dor não é
novidade como método de cura para dores do coração. O problema básico é que não
existe isso de fugir fisicamente da dor, porque ela está em ti, não no lugar.
Claro, não rever o ser amado ajuda, mas tu podes estar a quilômetros de
distancia da causa de tua dor e, por exemplo, lembrar a malfadada paixão por
causa de um perfume, da cor de um cabelo, do jeito como alguém se esforça por
ver algo... Enfim, a dor carregada faz com que a lembrança do ser amado
retorne, sempre.
A solução está dentro de cada um,
forjada pela vontade de ter uma nova postura, novos projetos e, quem sabe, até
um novo amor. Mas, isso tudo não pode ser apenas “de fachada”: porque nesse
caso, tu vais ver o teu amor até no chiclete grudado no teu sapato!
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